segunda-feira, janeiro 22

Surrealismo Cinza e Pastel

Lembro-me quando acordaste como a manhã. Estranha forma de ser, a tua, que existes sempre em sintonia com o quadro que pintas e onde te retratas. Se olhasses bem verias que estava a chover e com a dúvida que te caracterizava, terias retirado qualquer réstia de romantismo que tivesse polvilhado aquele quarto de noites que não nossas. Sabias exactamente o que querias, coisa que eu sempre soube - aquilo que querias, então, antecipei-me e desfiz-te a cama sem antes ter desfeito o meu sonho.

Eu respirava aquela manhã com o cheiro das roupas que não tinham saído do meu corpo, com a brisa que irrompia pela janela que abriste displicentemente naquela manhã de Janeiro. Já não havia quarto naquele espaço do qual as colchas que ficaram eram única testemunha. O frio despertava-me de um sono do qual eu não queria acordar. Era um sono de luz acesa, um sono de dois corpos vestidos que se estranhavam na intimidade. Um sono que se sabia o último e que por isso não poderia acordar com uma manhã cinzenta. Não podia terminar.

A manhã cinzenta se calhar fui eu que a pintei... talvez não fosse o teu rosto pálido e triste da última noite mas sim o meu rosto, pálido e triste daquela que era a tua e a nossa última noite. Sempre pensei que tinhas tu encomendado aquele céu. Porque na realidade sempre esperei tanto e tão pouco da tua alegria. Na realidade não te sabia mulher, não te sabia amiga e não te sabia amante. Não te sabia ao mesmo tempo que tentava te saber inteira. Completa. Como foste sempre tão confusa e tão delirante!

Saíste de casa preocupada e eu não abri a boca. Tudo continuava como se tudo fosse o que sempre foi. Os carros, as motas, as pessoas, os vendedores, os que corriam e os que passeavam. Mas nós não éramos e não acontecemos ali porque nunca acontecemos. Porque se tivéssemos que acontecer seria ali. E eu dei-te um beijo. E tu não me lembro do que disseste. Eu sabia que querias ir embora, mas não te parei para quereres ficar. E agora penso nisso. E agora isso consome-me.

E tu foste-te embora e voltaste num segundo. Como sempre. Mas desta vez voltaste para sempre naquilo que foi o nosso último suspiro. E ficaste ali para sempre, presa nesse suspiro. Assaltaste-me os sentidos e eu sem poder sentir nada... suspirava, não acreditando que tu eras bela e que tu eras uma gargalhada e que tu foste cruel em tons cinza e pastel numa paleta de cores que só tu sabes usar em mim.

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